segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Confira a história do alemão que encontrou 500 contos de fadas medievais


Esqueça as historinhas açucaradas dos irmãos Grimm. A essência dos contos de fadas medievais foi coletada por um burocrata alemão que só agora ganha reconhecimento

Paula Tebyriçá, de Frankfurt | 23/05/2012 18h13

O escritor russo León Tolstói escreveu que para ser universal era preciso saber cantar sua aldeia. Durante toda a vida, Franz Xaver von Schönwerth fez isso em seu tempo livre. O resultado, um calhamaço de 30 mil páginas manuscritas, reúne anotações sobre a vida cotidiana da região de Oberpfalz, no sudeste da Alemanha, perto da atual República Tcheca, onde ele nasceu - e espetaculares 500 contos de fadas (alguns conhecidos, mas em versões diferentes, outros totalmente inéditos). O trabalho de Von Schönwerth, considerado um dos maiores folcloristas da Alemanha, só agora começou a ser resgatado. "O legado dele é uma fonte sem igual. Ele nos permite uma visão única na vida da Alemanha no meio do século 19", diz Manuel Trummer, professor da Universidade de Regensburg e especialista em Von Schönwerth. "A quantidade e a densidade dos manuscritos são únicos e apresentam uma universalidade que os fazem importantes não apenas para a Alemanha."
O modus operandi do folclorista era até singelo. Enquanto estava em Munique, onde viveu a maior parte do tempo por causa de suas obrigações na corte de Maximiliano 2º, de quem foi secretário-geral e conselheiro, convidava pessoas originárias da Oberpfalz para um café e escutava suas histórias. Essas pessoas geralmente não tinham altos cargos ou riqueza. Pelo contrário, eram da classe mais baixa. Ele também desenvolveu um questionário, que sempre repetia para seus entrevistados. Em 1860 e 1861, passou temporadas em Oberpfalz fazendo o trabalho de pesquisa no local - conversando com pessoas, transcrevendo o que lhe era contado, fazendo perguntas sobre diversos temas. Em seus relatos, há uma visão direta, metódica e quase sem interferência sobre o trabalho, a comida, as roupas, os passatempos, os ditados, as histórias e os contos de fadas que andavam de boca em boca na população de sua região.
Em 1857, publicou o primeiro volume da série Aus der Oberpfalz - Sitten und Sagen (De Oberpfalz - Maneiras e Histórias). Em 1858 e 1859, publicou o segundo e o terceiro volume da série, obras-primas da pesquisa folclórica. Apesar de grandes elogios do rei Maximiliano 2º e até dos irmãos Grimm, os livros foram um retumbante fracasso de vendas. Von Schönwerth continuou pesquisando e escrevendo o que ouvia e observava, mas depois de sua morte, em 1886, seu trabalho e seu nome caíram no esquecimento.
Os manuscritos de Von Schönwerth estão no Arquivo Histórico de Regensburg. Um acervo gigantesco que, aliás, nem sequer foi lido por completo - a Universidade de Regenburg é responsável por esse difícil trabalho. Mesmo assim, volta e meia algum pesquisador dá de cara com um tesouro. Como Erika Eichenseer, curadora de cultura da região de Oberpfalz, que pesquisando os manuscritos achou os tais 500 contos de fada inéditos.
O material recolhido pelo folclorista é onde se pode ver a universalidade da qual Trummer fala. Inúmeros contos começam com o clássico "era uma vez...". Outros são versões diferentes de contos de fada conhecidos, como João e Maria e Cinderela. Aqui a comparação com os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm é inevitável. Os Grimm também eram grandes folcloristas e pesquisadores do século 19 e tornaram-se mundialmente famosos. Por que Von Schönwerth acabou esquecido? Trummer tenta explicar: "Ele ficou talvez aprisionado na regionalidade. Suas grandes obras têm no título o nome da região da Oberpfalz. Possivelmente deve ter surgido um preconceito geral, achando que ele era relevante só para essa região". Outra razão, talvez ainda mais importante, nas palavras de Trummer: "Von Schönwerth não editou suas histórias ou seus contos de fadas como os irmãos Grimm. Os Grimm tinham o ímpeto político de ajudar na formação de uma identidade alemã na época e, por isso, cortaram partes eróticas, noções de tempo e lugar, costumes locais. Eles fizeram uma grande edição dos textos, pois queriam transformar histórias populares em contos literários".
Os contos coletados por Von Schönwerth não tratam apenas de príncipes e princesas e nem sempre têm um final feliz. Falam de ofensas e crimes contra a natureza, de vagabundos astutos que tentam sempre levar vantagem, de animais, frequentemente protagonistas de histórias mágicas. Há também farsas engraçadas, nas quais dá para ter uma perfeita ideia da situação em que eram contadas. Von Schönwerth agia como um cientista. Simplesmente reproduzia os contos tal como os escutava, sem mexer e editar os relatos. "Os contos de fada de Von Schönwerth têm um frescor maior. Não são tão artificiais como os dos irmãos Grimm", afirma a pesquisadora Erika Eichenseer.
Originalmente, contos de fadas não eram apenas histórias infantis. Na Idade Média, não havia distinção entre crianças, adolescentes e adultos - todos dividiam o mesmo espaço, inclusive aquele dedicado a contar e ouvir histórias. A função dos contos, de acordo com o professor brasileiro Edmílson Martins Rodrigues, era unir a comunidade e transmitir valores (mas não a moral da história): não se desvie do caminho, obedeça os mais velhos, não dê atenção a estranhos. O mundo dos contos de fadas só mudou no século 18, quando começa a existir a distinção entre a infância e a idade adulta - quem se vale disso são escritores como Charles Perrault, Hans Christian Andersen e, claro, os irmãos Grimm, que não têm pudor em adaptar as histórias ao gosto popular.
O trabalho na Universidade de Regensburg pode ajudar a trazer novas luzes para um tempo quase esquecido, que repousa nos manuscritos de Von Schönwerth. Vale notar que o sucessor (e filho) de Maximiliano 2º foi Ludwig 2º, o homem que construiu o famoso castelo de Neuschwanstein no topo de uma montanha - e inspirou, décadas depois, Walt Disney, quando o animador buscava uma morada para Cinderela. A Baviera de Ludwig trouxe os contos de fadas para a vida real.


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